Conto Canábico: sobre quando Carlota Joaquina ouviu a palavra de Gilberto Gil

Conto Canábico: sobre quando Carlota Joaquina ouviu a palavra de Gilberto Gil

Cá estava eu andando pelo centro de Curitiba fumando um baseado, quando ouço alguém falando “ei rapaz, venha a cá”. Me virei e vi uma mulher de roupa extravagante e uma peruca ridícula na cabeça tomando chá em um café à beira da rua.

“Estás a fumar um cigarro de índio?” me perguntou a senhora. Pela forma séria que ela chamou minha atenção, logo pensei que seria repreendido pelo cheiro do meu prensado. “É tabaco, minha senhora”, respondi a fim de despistá-la e voltar a seguir meu caminho. “Ora, não seja tolo! Só quero dar um tapa no cigarro”.

Achei muito estranho a forma como a senhora me abordou. Mas ignorei qualquer tipo de represália que eu poderia vir a sofrer e caminhei até a mulher. “Sente-se, me faça companhia”. Logo puxei uma cadeira e me sentei à mesa com a senhora. Dei mais uma bola e passei o baseado para a madame. Ela puxou, prendeu, e soltou a fumaça. “Meio fraquinho, não?”. Argumentei que era um prensado, cuja origem é obscura, portanto de baixa qualidade sim.

Achei um tanto quanto arrogante a forma como a mulher falou do meu baseado. Estamos no Brasil, século XXI, fumar coisa boa só plantando. Mas no fim ela agradeceu as bolas que eu passei para ela. “Estou com cólica menstrual, e a cannabis é o único remédio para aliviar as dores”.

Com a leseira no corpo e a boca seca, aproveitei que estava em um café e pedi uma água. “Qual o  seu nome, meu jovem?” ela perguntou. Foi aí que eu me liguei que não nos apresentamos. Eu disse meu nome, e ela em seguida falou o dela. “Me chamo Carlota Joaquina”. Nome estranho para uma senhora estranha com sotaque forte. “Prazer”, respondi.

Perguntei se ela era de Curitiba. Ela disse que não, e que na verdade era uma portuguesa que veio ao Brasil com o marido para fugir de um baixinho maníaco francês que estava tocando o terror na Europa. “Coisa louca”, falei. “Aqui no Brasil tá acontecendo a mesma coisa, o problema é que o cara era até então apoiado pela classe-média”.

Logo o assuntou voltou para a maconha. Disse que aqui no Brasil não se pode plantar um pé de maconha que já vem polícia encher o saco. A senhora então disse que em Portugal a maconha é usada para tudo, mas que o que fode com todo o esquema são os negros. “Que senhorinha filha da puta”, pensei.

Papo vai e papo vem, percebo que na verdade a tal Carlota Joaquina é uma dondoca preconceituosa que não sabe fumar maconha. “Você já ouviu a palavra de Gilberto Gil?” perguntei a ela. “Nunca ouvi falar”. Como sou dessas pessoas que acredita ser possível mudar os outros com gestos simples, convidei a madame para ir até meu apartamento para ouvir a palavra do ex-ministro da cultura e fumar mais um baseado.

Chegando em minha residência, coloco na vitrola o disco “Refazenda” e bolo um baseado. Não demora muito para a senhora entrar no clima do disco e da maconha. “O que é esse som que eu nunca ouvi antes?” me pergunta. “Isso é Gilberto Gil. Música negra da melhor qualidade”. “Isso é música de negro?” se surpreende a mulher. Em pouco tempo, Carlota entra num transe profundo com as palavras de Gil. “Nos meus retiros espirituais, descubro certas coisas tão banais/ Como ter problemas, ser o mesmo que não”.

O disco acaba, e do baseado, só resta a ponta. “Ó, que experiência divina!” fala para mim a senhora ainda tentando sair do transe. “Pois é, Gil ensina que não há motivos para odiar o próximo. Classe e cor são apenas detalhes superficiais. É preciso amar as pessoas por suas espiritualidades”. “Agora concordo plenamente” ela responde com um pouco mais de consciência.

Enfim nos despedimos. Permaneço em meu apartamento e Carlota segue seu rumo pelas ruas de Curitiba. Sempre me bate uma satisfação quando consigo ensinar as pessoas a ver as coisas de uma outra forma por meio da música e da maconha.

Semana passada eu estava andando pela Rua São Francisco quando alguém chama meu nome. “Ei Chico!”. Quando viro para trás, vejo Carlota sentada em um círculo com alguns hippies artesãos. Quase que não a reconheço, por ter trocado aquela peruca ridícula por dreadlocks.

“O Carlota, quase não te reconheci!” disse a ela. “Chico, eu tenho muito a te agradecer. Depois do Gil, percebi que nossa missão aqui na terra e alcançar um nível espiritual elevado”. “Fico feliz em ouvir isso. Mas se me dá licença, preciso seguir meu caminho”. “Não quer levar uma miçanga?” ela me pergunta. “Hoje não, muito obrigado”, respondo. Assim que me afasto consigo ouvir ela falando “burguês filho de uma puta”.

Por Francisco Mateus

 

Agricultores italianos cultivam maconha para limpar terrenos contaminados

Agricultores italianos cultivam maconha para limpar terrenos contaminados

Os agricultores da região italiana de Apúlia, uma vez conhecida como produtora de queijo, tem optado pelo cultivo de maconha para restaurar e limpar terrenos afetados por resíduos tóxicos industriais.

Segundo informou a CBS News no domingo, 12 de março, e em contraste com outros agricultores que cultivam a erva como empresas ou consumidores, estes agricultores se vêem obrigados a cultivar cannabis para a limpeza de suas terras contaminadas.

Vincenzo Fornaro, antigamente era um agricultor que tinha mais de 600 ovelhas. A familia Fornaro é  conhecida como uma famosa distribuidora de carne de cordeiro.

No entanto, seus esforços foram interrompidas em 2008, quando o governo italiano encontrou substâncias químicas tóxicas, dioxina em suas ovelhas domésticas e tiveram que sacrificar imediatamente todo o rebanho.

Com base em pesquisas, descobriram que era um produto químico tóxico que veio do pasto da fazenda. Aparentemente, as terras agrícolas tinham sido contaminadas com resíduos tóxicos provenientes da maior indústria de aço na Europa. Consequentemente a família Fornaro não conseguiu produzir mais.

Ao longo dos anos Vincenzo Fornaro procurou uma maneira para neutralizar a poluição do solo que tinha sido exposta a radiação. Então, finalmente, veio a ideia de cultivar cannabis para limpar os contaminantes do solo em 2016.

Esta ciência chama-se fitorremediação, que é um processo em que os poluentes são absorvidos pelas raízes que crescem muito rápido da planta da maconha, ou em alguns casos transformam as toxinas em substâncias inofensivas.

Está provado que a fitorremediação atrai os metais pesados do solo. Vendo o exemplo de Fornaro, mais de uma centena de agricultores da região agora também estão cultivando maconha para ajudar a acelerar o processo de purificação, a fim de garantir a cobertura de grama na terra.

O mesmo método foi usado anteriormente em Chernobyl, na Ucrânia, após a catástrofe nuclear. O governo começou a cultivar maconha para remover o estrôncio radioativo e o césio.

Fonte: Tempo.co

O CBD inibe o crescimento do câncer de acordo com pesquisadores médicos

O CBD inibe o crescimento do câncer de acordo com pesquisadores médicos

Quando os receptores CB1 e CB2 são ativados no sistema endocanabinóide do corpo humano por exposição ao CBD, que não é psicoativo, estes podem atuar como agentes antitumorais num número de tumores agressivos.

O sistema endocanabinóide (ECS) é um grupo endógeno (que tem uma origem interna) de receptores localizados no cérebro dos mamíferos e nos sistemas nervoso central e periférico.

“Os componentes químicos da maconha chamados canabinóides, ativam os receptores específicos em todo o organismo para produzir efeitos farmacológicos, especialmente no sistema nervoso central e do sistema imunológico”, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos.

Demonstrou-se que o CBD inibe a progressão de câncer localizado na mama, pulmão, próstata e cólon em modelos de animais, o que sugere que o CBD seria igualmente eficaz no aumento  da morte de células de câncer em seres humanos. Consulte “The Anti-tumor Activity of Plant-Derived Non-Psychoactive Cannabinoids” da Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA – Número de estudo NIHMS685179. Outros estudos também descobriram que o CBD pode ser eficaz no tratamento de outros tipos de câncer.

“Em geral, o não psicotrópico CBD exibe ações pró-apoptóticas e anti-proliferativa em diferentes tipos de tumores e podem também exercer propriedades anti-migratórias, anti-invasivas, anti-metastáticas e talvez anti-angiogênicas. Com base nestes resultados, estão surgindo evidências que sugere que o CBD é um potente inibidor do crescimento e propagação do câncer”, resumiu o relatório da pesquisa do câncer” “Canabidiol como potencial medicamento contra o câncer”, Biblioteca Nacional de Medicina do EUA número de estudo PMC3579246.

Vai ao site da Biblioteca Nacional de Medicina (National Institutes of Health) e faz uma pesquisa sobre “cannabinoide”, há cerca de 20.000 estudos de pesquisas publicados. Isso é uma média de mais de duas publicações científicas por dia nos últimos 20 anos! Literalmente milhares de estudos clínicos mostram seus surpreendentes benefícios. 2042 estudos descobriram que o CBD combate o câncer e tumores.

533 estudos sobre a redução de náuseas e vômitos por canabinóides em pacientes relacionados à quimioterapia; 802 estudos concluíram que  o CBD ajuda a combater doenças neurodegenerativas; 221 estudos descobriram que o canabidiol apresenta propriedades anti-convulsivas; 1784 estudos documentam que o CBD suprime a dor; 1168 estudos concluíram que o CBD aumenta a função cerebral; 295 estudos concluíram que o CBD melhora o sono; 1368 estudos concluíram que o canabidiol protege contra a inflamação; e 413 estudos documentados mostraram alívio da ansiedade com o CBD.

O THC (canabinóide psicoativo) e o CBD também se mostraram eficazes na redução da dor neuropática em que os tratamentos tradicionais tinham sido incapaz de ajudar. Em outro estudo, os pacientes com câncer e dor intratável que anteriormente tinham sido tratados sem sucesso com opióides mostraram reduções significativas nos níveis de dor após ser tratada com THC e CBD.

Além disso, o Instituto Nacional do Câncer dos EUA reconhece a maconha como um tratamento eficaz para proporcionar alívio de uma série de sintomas associados com o câncer, incluindo dores, náuseas e vômitos, ansiedade e perda de apetite.

O suplemento dietético CBD está disponível em cápsulas e pomadas no site www.cbdcannabidiolmeds.com. Embora não requeira prescrição do médico para comprar o CBD em qualquer estado ou em quarenta países fora os EUA, os pacientes devem sempre consultar com seu médico antes de iniciar um novo programa de suplemento dietético como o CBD.

As declarações neste comunicado de imprensa não foram avaliadas pelo FDA e não são destinados a diagnosticar, tratar ou curar qualquer doença. Sempre verifique com seu médico antes de iniciar um novo programa de suplemento dietético.

Fonte: Press Release Rocket

Maconha: dos discursos médicos do início do século XX até sua criminalização na década de 30

Maconha: dos discursos médicos do início do século XX até sua criminalização na década de 30

Por Adriano dos Santos

Resumo

O objetivo desse trabalho é contextualizar a maconha na trajetória do Brasil, analisar como foi construído no imaginário da população a sua representação como algo associado ao negro e à camada pobre da sociedade, como a partir dos discursos médicos fora associado à criminalidade e ao ócio, como uma forma de dominação social embasada em teorias que tratava a cultura negra como algo que deveria ser esquecida e superada. Analisar como esse processo de demonização da cannabis levou às medidas de proibição no decorrer das primeiras décadas do século XX até sua criminalização na década de 30, e quais foram as consequências desta criminalização no grupo social que era adepto ao canabismo, visto por alguns recortes de jornais. 

Introdução

O presente trabalho vai abordar como foi construído o conceito médico em relação ao uso da maconha no início do século XX, analisando o contexto histórico e como a maconha foi relacionada ao ócio e à criminalidade até chegar a sua total criminalização na década de 1930, no Brasil. Analisaremos como os médicos associavam a maconha a um vício de negros, classe subalterna e que degenera o homem, menosprezando o seu consumo e associando-o a pontos negativos da sociedade como a marginalidade e a vagabundagem. Dois médicos importantes que defenderam e prosperaram essas ideias foram Rodrigues Dória e Francisco Iglesias. Este trabalho busca entender como essa proibição do consumo da maconha, seja para uso medicinal, ritualístico ou recreativo, afetou a população menos abastada e a levou à marginalização perante a sociedade.

O presente artigo também tem como objetivo verificar se realmente os médicos, com suas pesquisas sobre a maconha, tinham um real projeto de melhoramento para a sociedade, ou se esses estudos eram somente uma forma da medicina se ligar às politicas públicas de saneamento e ajudar no controle populacional das minorias, além de punir aqueles que não se enquadravam na sociedade capitalista que se fortalecia no país.

Ademais, tem como proposta analisar as escritas médicas da época e leis que foram criadas para controle do consumo da erva até a sua criminalização na década de 30 – nesse período, foi proibido, em âmbito nacional, o consumo, a posse e venda da maconha. Além de verificar quais grupos foram os mais afetados com a coibição desde os primeiros discursos médicos até a criminalização com base na historiografia e algumas publicações em jornais.

Conceito de Raça e Droga

Em meados do século XIX o conceito de raça migrou das ciências naturais e alcançou as ciências sociais e humanas. Com a publicação da obra de Charles Darwin, em 1859, e o desenvolvimento da teoria evolucionista a partir daí, o racialismo ganhou novas perspectivas, com o chamado darwinismo social, que lastreada na teoria da evolução e na seleção natural afirmava não só a diferença de raças humanas, mas a superioridade de umas sobre as outras e, ainda, que a tendência das raças superiores era submeter e substituir as outras. A partir da Frenologia e do darwinismo social (muitas vezes chamado de spencerismo, pois a transposição dos argumentos darwinistas para o campo do social não se deveu ao próprio Darwin, mas a Spencer), desenvolveu-se a eugenia, que enaltecia a pureza das raças, a existência de raças superiores

desacreditava a miscigenação. Tais teorias foram a base científica do racismo.  (SILVA, 2006, p.2).

O início do século XX é marcado por essa base teórica que vai salientar que existe uma raça superior, a raça branca, e que ela pode submeter às inferiores a um projeto de civilização de trazer luz a uma raça inferior, a raça negra. Esta teoria sofre uma modificação quando passa da questão biológica e toma um viés cultural, que comprova o atraso do Brasil. A raça negra, em resumo, era uma doença que precisava ser curada. Porém, tomando o viés cultural, não é mais a raça a representação do atraso do país, e sim seus hábitos culturais. A herança que os escravos deixaram ao país é uma mancha na história. É nesse processo que a maconha se associa ao atraso. Historicamente, ela está ligada à cultura negra e aos grupos subalternos. Os adeptos do cannabismo que fazem parte desses grupos são subjugados e vistos como pessoas sem personalidade e moral, até que chegam a um ponto que passam a ser criminosos.

A palavra “droga”, segundo Henrique Carneiro, é um derivado do termo holandês droog, usado para produtos secos e substâncias naturais utilizadas, principalmente, na alimentação e na medicina. Existem três grandes ciclos em torno do tráfico de drogas:

O primeiro seria o das especiarias, no século XVI; o segundo, marcando a formação do sistema colonial, a partir do século XVII, estaria baseado na produção e no comércio do açúcar, da aguardente e do tabaco; e o terceiro ciclo, desenvolvido especialmente a partir do século XVIII, seria composto pelas bebidas quentes e excitantes, como o café e o chá. (CARNEIRO, 2004,p.1).

Lembrando que até a criminalização, a maconha não tinha uma conotação de produto ilícito; houve medidas de proibição desde 1830 na capital do Rio de Janeiro, mas pouco foram respeitadas. O uso da maconha passa a ter um caráter de crime a partir da década de 30. Anteriormente, até pelo menos 1926, era considerada uma droga estimulante e psicoativa, vendida em herbários como remédios para diversas doenças, tendo inclusive plantações em todo território nacional para uso próprio ou para venda do excedente. A partir dos investimentos médicos ligando a maconha a crimes e atitudes imorais, vai se construindo no imaginário das pessoas ao longo das primeiras décadas do século XX como um grande malefício, como um agente causador dos problemas sociais que afetam o desenvolvimento e o crescimento do país, chegando assim na sua total criminalização que pendura até os dias de hoje.

 Breve história da maconha no Brasil

Por ser considerada de escravos, trazida pelos negros a partir da segunda metade do século XVI, a maconha nunca gozou de prestígio no Brasil. Apesar disso, há controvérsia sobre o aparecimento da maconha ao Brasil. Há estudos que os marinheiros, descobrindo a erva em suas aventuras pela Índia, se tornaram adeptos e a trouxeram para terras brasileiras. Mas sempre foi perpetuado que a maconha é objeto de grupos subalternos da sociedade. Como os negros faziam o uso em sua terra natal, conseguiram trazer um pouco dessa cultura canabista e enraizar seu uso no novo continente. Segundo Jean Marcel França, a Coroa Portuguesa no século XVIII moveu mundos e fundos para conseguirem sementes da cannabis para semear no sul da Colônia.

E também os constante e sempre infrutíferos incentivos do governo joanino e imperial para que agricultores mineiros, cariocas e paulistas plantassem cânhamo em suas propriedades, de modo a atender minimamente às necessidades da indústria naval. (FRANÇA,2015,p.35)

Como observado, o plantio de cânhamo interessava à Coroa para a fabricação de cordas e velas para abastecer a indústria naval. A real feitoria do cânhamo não foi bem sucedida, e após a Proclamação da Independência, em 1822, parece ter morrido o interesse pela plantação do cânhamo. Dessa maneira, foi esquecido todo o empenho da Coroa na implantação da planta, e mais uma vez ela foi somente associada a uma droga trazida pelos escravos.

Após a abolição da escravatura em 1888, e a Proclamação da República, em 1889, a maconha começa a ser um empecilho para o novo regime.

A cannabis era conhecida por diversos nomes desde o Brasil Colônia, a maior parte deles africanos, como: pango, diamba, liamba, fumo de Angola. O cannabis, como era chamada no Brasil, é um anagrama da palavra cânhamo.

Discurso Médico

Com o novo regime implantado, a República, tudo que era considerado atrasado e  retrogrado, precisava ser renovado. O Brasil tinha que perder seus laços com o passado e chegar à modernidade, e para isso seria necessário certo esquecimento do regime escravocrata e da herança cultural que esse povo trouxe consigo. No entanto, não mais seria permitido e tolerado acabar com o negro com o uso da violência física e direta. A partir disso, como diz Martins, surge a necessidade de explicações com embasamento cientifico. A teoria das raças, que surge na Europa no século XIX, acredita que o progresso estaria ligado a uma raça pura, e a evolução não seria um fator obrigatório a todos os humanos. Resumidamente, a evolução estava ligada à pureza da raça, que seria a branca e europeia. Essa bagagem teórica racialista que já se encontrava em declínio na Europa no final do século XIX, foi usada nos primeiros anos do Brasil República. O atraso do país era contíguo aos negros, e evidentemente que essa raça era um empecilho para o desenvolvimento, como diz Lilia Schwarcz e Heloisa Starling “Segundo a visão da época, a explicação para a falta de sucesso profissional ou social dos negros e mestiços estaria na biologia; ou melhor, na raça, e não numa história pregressa ou no passado imediato”(2015,p.343). Assim, era necessário que o estado interviesse com um controle social e político sobre essas pessoas. Um projeto de branqueamento da população brasileira, majoritariamente negra, se iniciou. Nesse contexto se intensifica a chegada de imigrantes no país, que tinha como objetivo além de trazer mão de obra às indústrias nascentes, a proposta o branqueamento da população. A intenção era que com o decorrer do tempo, a raça chegasse a ser pura, e portanto branca.

A imigração era tida pelas elites nacionais como prioritária para o desenvolvimento do Brasil, afinal, traria para o país um grande contingente de indivíduos considerados de raça pura e superior. Contudo, a “importação” de trabalhadores europeus não foi a única iniciativa do Estado para fazer do Brasil um país branco. A eliminação física do negro não seria suficiente para negar o passado escravocrata, tampouco apagaria a “mácula” da origem mestiça. Para além de uma perspectiva futura de embranquecimento, impunha-se a necessidade de tornar “invisível” a participação do negro na História nacional. (MARTINS, 2012, p.275-276)

Na primeira década do século XX essa teoria sofre uma alteração, que sai do viés biológico racial, e passa a associar o atraso do brasileiro a dimensão cultural e social, a herança nefasta que o negro deixou. Os que não se enquadravam no sistema capitalista industrial eram considerados vagabundos. O estado que não mais escraviza o negro, agora o deixa a margem da sociedade e desqualifica sua cultura para mascarar os problemas sociais. Nesse contexto a demonização da maconha se intensifica e se expande em território nacional.

Em 13 de maio de 1888, por entre alegrias e festas, foi promulgada a lei que aboliu a escravidão no Brasil e integrada a nacionalidade com os libertados, tornados cidadãos; mas no país já estavam inoculados vários prejuízos e males da execrável instituição, difíceis de exterminar. Dentre esses males que acompanharam a raça subjugada, e como um castigo pela usurpação do que mais precioso tem o homem – a sua liberdade – nos ficou o vício pernicioso e degenerativo de fumar as sumidades floridas da planta aqui denominada fumo d’Angola, maconha e diamba, e ainda, por corrupção, liamba, ou riamba. (DÓRIA,1915, p.1-2)

Discursos médicos começaram associar o vício da maconha à criminalidade, à vagabundagem, ao ócio, e consequentemente aos grupos menos abastados. Rodrigues Dória e Francisco Iglesias foram os grandes incentivadores desta base teórica e fizeram várias publicações no Brasil e no Exterior em prol dessa ideia. Rodrigues Dória argumentava que o vício da maconha produzia estragos individuais e daria lugar para graves consequências criminosas.

Os índios amansados aprenderam a usar da maconha, vício a que s entregam com paixão, como fazem a outros vícios, como o do álcool, tornando-se hábito inveterado. Fumam também os mestiços, e é nas camadas mais baixas que predomina o seu uso, pouco ou quase nada conhecido na parte mais educada e civilizada da sociedade Brasileira. (DÓRIA, 1915, p.2)

No Brasil início do século XX era visível seu atraso perante os países industriais europeus e os Estados Unidos. Foi constado que a falta de interesse da elite sobre os mais pobres os deixavam abandonados e com péssimas condições de vida. A Liga Pró-Saneamento diagnosticava o Brasil por volta de 1912 como um grande sertão e um vasto hospital, que necessitava ser remediado e curado. Novos projetos de saneamento devem ser instaurados para a recuperação da nação.

O diagnóstico de um povo doente significava que, em lugar da resignação, da condenação ao atraso eterno, seria possível recuperá-lo através de ações de higiene e saneamento, fundadas no conhecimento médico e implementadas pelas autoridades públicas. Não bastava ter encontrado este “povo que ainda há de vir”, era urgente transformar esses “estranhos habitantes” do Brasil em brasileiros. (HOCHMAN, 1998, p.218)

A primeira associação feita por Rodrigues Dória em 1915 ligava a maconha exclusivamente aos setores populares. Na concepção de Dória, o grupo de pessoas de que usava a maconha era de poucos recursos financeiros, e em sua grande maioria era formado por analfabetos e trabalhadores rurais. Para ele, a erva gerava grandes estragos aos usuários, inclusive os levava a cometerem grandes crimes. Como Rodrigues Dória, Francisco Iglesias foi um difusor dessa ideia da ligação do negro com a maconha e a criminalidade.

Os fumantes reúnem-se, de preferência, na casa do mais velho, ou do que, por qualquer circunstância, exerce influências sobre eles, formando uma espécie de clube, onde, geralmente, aos sábados, celebram a suas sessões.

Colocam-se em torno de uma mesa e começam a sugar as primeiras baforadas de fumaça da cannabis sativa.

Depois de alguns minutos, os efeitos começam a fazer-se sentir.

O indivíduo apresenta os olhos vermelhos. Os músculos da face se contraem, dando ao rosto expressão de alegria ou dor; a embriaguez não tarda e com ela o cortejo dos seus vassalos; os delírio aparece agradável, dando bem-estar, trazendo à mente coisas agradáveis, vai aumentando, até a loucura furiosa que toma diversas modalidades, segundo o temperamento de cada indivíduo.

Uns ficam em estado de coma, em completa prostação; os outros são para cantar, correr, gritar; outros ficam furiosos, querem agredir, tornam-se perigosos.

Os fumadores, depois de curtirem a embriaguez, voltam ao estado normal. Isto no começo do vício. Quando o indivíduo é um diambista habitual, mesmo depois da embriaguez, tem aspecto e modos de idiota; é um homem a margem.

O alcoolista, geralmente, não quer ser tudo como tal; mas não faz muita questão de beber álcool em plena sociedade; mas o diambista, não; esconde o seu vicio, vai fumar às escondidas, não quer que saiba, nega-o sempre que é interpelado, a não ser que seja um diambista inveterado, que o idiotismo esteja apontando, implacavelmente para o seu miserável vulto: este é o fumados de diamba. (IGLÉSIAS, 1958, p.18).

Proibição

Com esse referencial teórico, chamado medicina social, Thiago Rodrigues diz que “a difusão no debate sobre a repressão na fabricação, no comércio e no uso de substâncias psicoativas saía, nesse momento, da esfera civil e era encampada pelo aparato burocrático-sanitário estatal”(2004,p.93). O controle de medicamentos e substâncias psicoativas, nesse momento, teria a fiscalização e o controle do estado, que poderia a partir de então, interferir legalmente no comércio de medicamentos legais. A lei que trata do controle de medicamentos é datada de 14 de julho de 1921. A lei federal n. 4.294 é rígida no controle da venda de medicamentos, com punições a quem vender doses acima das receitadas. Havia agora uma maior repressão e controle da venda. Substâncias tidas como entorpecentes, caso dos derivados da maconha, da cocaína, do ópio e de outros medicamentos, somente eram aceitas para uso medicinal.

Com a lei de 1921, o vendedor ilegal foi criminalizado, com penas de restrição da liberdade, perda da autorização para exercer sua profissão quando médico, dentista ou enfermeiro. Para o usuário não havia criminalização, pois ele era considerado um doente, não criminoso, como diz Thiago Rodrigues (2004,p.136), que não considera “o usuário nem criminoso nem louco, mas doente, passando por medida médico-legal, necessária uma avaliação de um médico competente”. Contrariando Rodrigues, Dória e outros proibicionistas acreditavam que a lei devia punir os usuários. O esforço dessas pessoas era uma luta árdua conta a maconha.

Em 1924, Pernambuco Filho e Adalto Botelho escrevem um livro intitulado “Vícios sociais elegantes”, que tratava do uso da cocaína, da cannabis, do ether, do ópio e seus derivados, do crescente consumo em alguns estados do nordeste e a necessidade da intervenção das autoridades. França (2015, p.62) relata que esses doutores, em 1925, participaram de uma Conferência Internacional do Ópio, em Genebra, com a presença de participantes de mais de cem países, que tinha o intuito de criar tratados proibicionistas sobre a cocaína e o ópio. Esses tratados vinham sendo discutidos desde 1909.

Os egípcios, denunciando que havia uma epidemia do uso da cannabis em seu país, pediram a inclusão da erva na lista de substâncias proibidas e apresentaram um estudo sobre os perigos sociais da cannabis e a necessidade de controlar a circulação internacional. O estudo recebeu apoio de vários países e foi criada uma subcomissão com especialistas da Grã-Bretanha, Índia, França, Grécia, Egito e Brasil para estudar o pedido. Essa subcomissão chega a uma conclusão:

O uso de Canhâmo indiano e dos preparados dele derivados só pode ser autorizado para fins médicos e científicos. Resinas não tratadas (charas), no entanto, extraídas das flores das plantas do sexo feminino da Cannabis Sativa, do mesmo modo que as diversas preparações de que constitui a base (haxixe, chira, esrar, diamba etc.), não sendo atualmente utilizadas para fins médicos e só sendo suscetíveis de utilização para fins nocivos […], não podem, em hipótese alguma, ser produzidas, vendidas, comercializadas etc. (FRANÇA,2015,p.63)

Em 1925, na Conferência Internacional do Ópio, graças a um esforço tremendo vindo do Egito e endossado por vários países, inclusive o Brasil, a maconha é colocada no rol de drogas pesadas que precisam e necessitam ser reprimidas e controladas pelo estado. Seu uso é aconselhado apenas em alguns casos para uso medicinal.

Uma matéria do jornal Estado de São Paulo de 4 de dezembro de 1929 na página 9, intitulada, “Vendedor de tóxico”, diz sobre a apreensão de um homem pela delegacia de Costumes e Jogos em São Paulo na praça da Sé, 63, que o infrator com nome de Diomero de Oliveira, proprietário da Hervanaria Botanica-Oriental, foi preso em flagrante quando tentava vender meio quilo de cânhamo por 100$. A matéria diz ainda que ele tinha vários clientes viciados, e no local vendia punhados de sementes da planta. No início da matéria, a maconha é explicada como um veneno mais violento do que o ópio. Depois da Lei federal n. 4.294, os estabelecimentos que fornecessem o cânhamo sem prescrição médica ou em quantidades maiores que a receitada, os infratores seriam processados, como aconteceu com Diomero.

Já outra matéria, veiculada no dia 4 de janeiro de 1930, apresenta relatos de Gastão Cruls, intitulada “A Amazônia que eu vi”. A reportagem discorre sobre a experiência de Gastão ao comprar uma amostra do “fumo de angola”, a maconha, a título de curiosidade. Ele afirma que a erva é a cocaína do caboclo, e diz ainda que o efeito leva o usuário a abrir seus olhos “a uma fantasmagoria de sonhos irrealizáveis”. Afirma que o cânhamo foi trazido pelos escravos e que era muito enraizado nas populações africanas. Deste modo, apresenta um quadro que nos remete aos escritos de Rodrigues Doria, que até mesmo é citado na matéria como autor de interessantes trabalhos. Escritos esses que associavam o uso da erva aos negros, a vagabundagem e ao atraso do país. Gastão ainda fala que o consumo da erva está mais enraizado no nordeste do país, e após adquirir a maconha ele questiona o vendedor sobre seus efeitos. É respondido: “ um bom cigarro desse fumo faz a pessoa ficar falista”(1930,p.4).

Apesar do aparato repressivo da lei de 1921, como é possível verificar nas matérias, a maconha ainda era vendida sem a necessidade de uma prescrição médica. Ela continuava sendo comercializada normalmente, com o laço cultural que vinha enraizado no seu consumo, tido para alguns como a expansão da mente, para outros como relaxante recreativo. Antes da lei de 1921 a maconha também era tida como um remédio natural, pois atuava contra várias doenças.

Apesar dos esforços na Conferência Internacional do Ópio de 1925, que visava uma repressão maior, a lei no Brasil demora um pouco a ser decretada, sendo sancionada apenas em 11 de Janeiro de 1932, o Decreto N° 20.930.

O decreto contém cinco capítulos, que vão distinguir e enquadrar as substâncias na lei, especificar quais sansões para os contraventores e dar aparato legal ao estado no controle das substâncias. O primeiro artigo apresenta as substâncias:

Art. 1º São consideradas substâncias tóxicas de natureza analgésica ou entorpecente, para os efeitos deste decreto e mais leis aplicáveis, as seguintes substâncias e seus sais, congêneres, compostos e derivados, inclusive especialidades farmacêuticas correlatas:

I – O ópio bruto e medicinal.
II – A morfina.
III – A diacetilmorfina ou heroína.
IV – A benzoilmorfina.
V – A dilandide.
VI – A dicodide.
VII – A eucodal.
VIII – As folhas de coca.
IX – A cocaína bruta.
X – A cocaína.
XI – A ecgonina.
XII – A “canabis indica”. (BRASIL, 1932)

A maconha agora é restrita, e seu uso medicinal aplicado apenas a poucos casos, casos esses que necessitam de receita e autorização do estado. O usuário que consumia a erva de maneira recreativa ou ritualística não mais pode fazer estas práticas. Sua herança cultural fora reprimida. E o usuário que era encontrado portando a substância sem a devida autorização ou uma quantidade maior que a prescrita era sujeito à prisão e multa, como diz o artigo 25 do decreto:

Vender, ministrar, dar, trocar, ceder, ou, de qualquer modo, proporcionar substâncias entorpecentes; propor-se a qualquer desses atos sem as formalidades prescritas no presente decreto; induzir, ou instigar, por atos ou por palavras, o uso de quaisquer dessas substâncias.

Penas: De um a cinco anos de prisão celular e multa de 1:000$0 a 5:000$0. (BRASIL, 1932)

Pela primeira vez o usuário passa a responder criminalmente, e não mais apenas o vendedor. A pena pode ser substituída por internação obrigatória ou facultativa, para casos quando o usuário for toxicômano ou intoxicado habitual. Essas circunstâncias eram determinadas pelo juiz.

Dois dias após a promulgação da lei, o jornal o Estado de São Paulo, no dia 13 de janeiro de 1932, apresenta a seus leitores uma matéria intitulada, “Decretos assinados pelo chefe do governo provisório”, que na ocasião era Getúlio Vargas, em que passa um apanhado geral do decreto n°20.930. A matéria apresenta os entorpecentes enquadrados na lei, a fiscalização ao exercício da profissão da medicina, da odontologia, da medicina veterinária e das profissões de farmacêutico, enfermeira e parteira no Brasil, as penas para os contraventores, mas nada fala sobre os usuários e as penas previstas para os criminosos.

Com esse aparato legal, a criminalização dos usuários foi lançada. Mas apesar dessa luta e esforço contra a cannabis é possível ver o tamanho do enraizamento cultural da planta na população em uma matéria de 10 de julho de 1937. Nela é feito um resumo do livro “Nordeste”, de Gilberto Freyre. Em um parágrafo, ele trata do plantio da maconha e do tabaco na Bahia, e diz que a cultura dessas plantas é dada no período entre safras e relacionada ao ócio “cultura de entorpecentes de gozo”, diz ainda que esses prazeres e sensações de luxúria são do tabaco para senhores e da maconha para os trabalhadores e negros. Com essa matéria fica claro que ainda, após a criminalização dos usuários e do comércio da planta, o plantio acontece. O laço cultural é bastante enraizado na cultura negra.

Como fica perceptível que o consumo e o plantio ainda permanecem, dia 25 de Novembro de 1938, Getúlio Vargas aumenta ainda mais a repressão contra os entorpecentes com o Decreto-lei n° 891. No seu primeiro capítulo classifica os entorpecentes, e a maconha é citada na décima sexta posição como substância. O decreto a descrimina e divide as variedades como: – O cânhamo cannabis sativa (maconha, meconha, diamba, liamba e outras denominações vulgares) e variedade indica que fica proibido o plantio, o cultivo e a exploração da planta por particulares em território nacional. No capítulo dois, menciona que as plantas já existentes, devem:

  • 1º As plantas dessa natureza, nativas ou cultivadas, existentes no território nacional, serão destruídos pelas autoridades policiais, sob a direção técnica de representantes do Ministério da Agricultura, cumprindo a essas autoridades dar conhecimento imediato do fato à Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes. (BRASIL, 1938)

Como no Decreto 1932, o de 1938 também diz que a toxicomania ou a intoxicação habitual pode ser tratada como doença, e o acusado ser passivo de internação, seja facultativa ou obrigatória, como o juiz determinar. Mas o usuário que o juiz não considerar a internação fica cabível a prisão como descreve no artigo 33 da lei.

Facilitar, instigar por atos ou por palavras, a aquisição, uso, emprego ou aplicação de qualquer substância entorpecente, ou, sem as formalidades prescritas nesta lei, vender, ministrar, dar, deter, guardar, transportar, enviar, trocar, sonegar, consumir substâncias compreendidas no art. 1º ou plantar, cultivar, colher as plantas mencionadas no art. 2º, ou de qualquer modo proporcionar a aquisição, uso ou aplicação dessas substâncias – penas: um a cinco anos de prisão celular e multa de 1:000$000 a 5:000$000. (BRASIL, 1938)

É notório que não existe uma distinção clara na lei de quem é considerado usuário ou vendedor, de quem se enquadra na prisão ou internação. Essas decisões ficam a critério do juiz. Para famílias que possuem uma renda alta, é possível a contratação de um advogado e com mais facilidade reverter a pena. Já quem não possui tal condição, fica a mercê da justiça, sendo facilmente considerado “vagabundo”. Essa foi a maneira que a sociedade criou para encarcerar e punir as pessoas que não se encaixam nos padrões. É o uso da lei como forma de legitimação e higienização da sociedade.

Considerações finais

A criminalização da cannabis se intensifica após 1915 com os escritos de Rodrigues Dória. Seu principal ponto é o controle da sociedade, o controle dos costumes negros e das pessoas de baixa renda, em que se associa o uso da maconha ao ócio e a vagabundagem. Para ele essas características não poderiam mais existir perante o sistema capitalista que se fortalecia no Brasil. Sua literatura foi uma maneira de higienização da sociedade e de costumes. Como é perceptível, as leis de criminalização da planta intensificaram-se após 1921, período que a repressão é somente para o revendedores da erva, que na época era considerada medicinal. A partir de então começa ter um caráter perigoso, e passa a ser a cocaína do caboclo, o veneno africano. Com a repressão somente nos pontos de vendas da cannabis medicinal não houve o efeito esperado. Em 1932, com o decreto n° 20.930, o usuário também passa a ser alvo criminoso. A lei como controle social quer apagar costumes e tradições. Os recortes de jornais apresentados mostram que apesar de todos os esforços, o plantio e a venda da maconha ainda permanecia, principalmente na região do norte do país, pois era um costume enraizado na cultural popular. Seu uso era tido como remédio, um relaxante, uma porta para o imaginário. Para tentar frear ainda mais o consumo, em 1938 temos o decreto-lei n° 891, em que se intensifica ainda mais o aparato repressivo.

A criminalização do uso e comércio cannabis foi aparato legal para reprimir um povo e um costume. Não foi relevante a tradição dessa parte da população, e ela foi tida somente como uma herança nefasta que o povo africano por castigo deixou no Brasil. Essa proibição ainda permanece, e os traços ainda são muito parecidos, pois os mais punidos pertencem às camadas pobres da sociedade. Afinal, é possível se questionar ainda hoje sobre os efeitos que a proibição de uma lei causam na sociedade.

Documentos:

O ESTADO DE SÃO PAULO. São Paulo, 4 de dezembro de 1929, p.9.

O ESTADO DE SÃO PAULO. São Paulo, 4 de janeiro de 1930, p.4.

O ESTADO DE SÃO PAULO. São Paulo, 13 de janeiro de 1932, p.2.

O ESTADO DE SÃO PAULO. São Paulo, 10 de julho de 1937, p.3.

BRASIL. Decreto nº 4.294, de 6 de julho de 1921. Estabelece penalidades para os contraventores na venda de cocaina, opio, morphina e seus derivados; crêa um estabelecimento especial para internação dos intoxicados pelo alcool ou substancias venenosas; estabelece as fórmas de processo e julgamento e manda abrir os creditos necessarios. 6 de julho de 1921.

BRASIL. Decreto nº 20.930, de 11 de janeiro de 1932. Fiscaliza o emprego e o comércio das substâncias tóxicas entorpecentes, regula a sua entrada no país de acordo com a solicitação do comité central permanente do opio da liga das nações, e estabele penas. 11 de janeiro de 1932.

BRASIL. Decreto-lei nº 891, de 25 de novembro de 1938. Aprova a Lei de Fiscalização de Entorpecentes.25 de Novembro de 1938.

 

Referências

BARBOSA, IVAN. Notas acerca do discurso médico brasileiro sobre a maconha no primeiro quarte do século XX. Disponivel em <http://www.journals.ufrpe.br/index.php/cadernosdecienciassociais/article/view/232> Acesso em: 10/05/2016

BARBOSA, Oscar. O vício da diamba. In: MACONHA. Coletânea de Trabalhos

Brasileiros. 2. ed. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Educação Sanitária, Ministério da Saúde, 1958, p. 29-44.

BOTELHO, Adauto e PERNAMBUCO, Pedro. Vício da diamba. In: MACONHA.

Coletânea de Trabalhos Brasileiros. 2. ed. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Educação Sanitária, Ministério da Saúde, 1958, p. 25-28.

CARDOSO, Eleyson. Convênio Interestadual da Maconha. In: MACONHA. Coletânea de Trabalhos Brasileiros. 2. ed. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Educação Sanitária, Ministério da Saúde, 1958, p. 165-174.

________________. Diambismo ou maconhismo, vício assassino. In: MACONHA.

Coletânea de Trabalhos Brasileiros. 2. ed. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Educação Sanitária, Ministério da Saúde, 1958, p. 181-186.

CARNEIRO, HENRIQUE. Bebida, abstinência e temperança na história antiga e moderna. São Paulo: Senac, 2010.

CARNEIRO, HENRIQUE. Transformações do significado da palavra “droga”: das

especiarias coloniais ao proibicionismo contemporâneo. In: VENÂNCIO, Renato;

CARNEIRO, Henrique (orgs.). Álcool e Drogas na História do Brasil. São Paulo: Alameda; Belo Horizonte: PUC Minas, 2005, p. 11-27.

CARNEIRO, H.; DEL PRIORE, M. Pequena enciclopédia da história das drogas e bebidas: histórias e curiosidades sobre as mais variadas drogas e bebidas. Rio de janeiro: Elsevier, 2005.

DÓRIA, RODRIGUES. Os fumadores de maconha. Efeitos e males do vício. In: MACONHA. Coletânea de Trabalhos Brasileiros. 2. ed. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Educação Sanitária, Ministério da Saúde, 1958, p. 1-14.

FEITOSA, L. C. et al. As veias negras do Brasil: Conexões brasileiras com a África, Capitulo 11 Martins, M, A, C. Bauru/SP: EDUSC, 2012.

FRANÇA, J. M. C. História da Maconha no Brasil. 1ª edição. São Paulo: Três Estrelas, 2015.

HOCHMAN, Gilberto. Logo ali, no final da avenida: Os sertões redefinidos pelo movimento sanitarista da Primeira República. In: Hist. cienc. saúde-Manguinhos, Jul 1998, vol.5, p.217-235, 1998.

IGLÉSIAS, FRANCISCO. Sobre o vício da diamba. In: MACONHA. Coletânea de Trabalhos Brasileiros. 2. ed. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Educação Sanitária, Ministério da Saúde, 1958, p. 15-24.

RODRIGUES, Thiago. Política e Drogas nas Américas. São Paulo, Educ, 2004.

SAAD, LUÍSA. O discurso da Medicina na proibição da maconha: preocupações acerca da composição racial na formação de uma República exemplar. Disponível em <http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1307677474_ARQUIVO_textoanpuhok.pdf> acesso em: 15/05/2016.

SCHWARCZ, L, M e STARLING, H, M. Brasil: Uma Biografia. São Paulo, 1ª Ed. Companhia das Letras, 2015.

SILVA, K, V e SILVA, M, H. Dicionário de Conceitos Históricos. São Paulo, Ed. Contexto, 2006.

 

Norma da Anvisa permitirá registro de produto com Canabidiol e THC

Norma da Anvisa permitirá registro de produto com Canabidiol e THC

A Diretoria Colegiada da Anvisa aprovou, por unanimidade, a inclusão de medicamentos registrados na Anvisa à base de derivados de Cannabis sativa na lista A3 da Portaria SVS/MS nº 344/98. A atualização possibilitará o registro de medicamento à base dos derivados da substância.

A Diretoria Colegiada da Anvisa atualizou o anexo I da Portaria SVS/MS nº 344/98, norma que traz a lista das plantas e substâncias sob controle especial no Brasil, incluindo as de uso proibido. A atualização incluiu, na lista A3, medicamentos registrados na Anvisa derivados da Cannabis sativa, em concentração de no máximo 30 mg de tetrahidrocannabinol (THC) por mililitro e 30 mg de canabidiol por mililitro.  A decisão foi proferida, por unanimidade, na Reunião Ordinária Pública realizada nesta terça (22) e deverá ser publicada no Diário Oficial da União nos próximos dias.

O que motivou a atualização da Portaria, que é periodicamente atualizada pela Agência, foi a fase final do processo de registro do medicamento Mevatyl®. O produto, que em alguns países da Europa, tem o nome comercial de Sativex, é obtido da planta Cannabis sativa L., e, portanto, possui as substâncias canabidiol e tetrahidrocannabinol em sua composição.

No Brasil, o medicamento será indicado para o tratamento de sintomas de pacientes adultos com espasticidade moderada a grave devido à esclerose múltipla (EM).

Como o THC é derivado da Cannabis sativa, uma das substâncias extraídas desta planta e classificadas em listas de uso proibido, foi necessário que houvesse a determinação dos controles sob quais os medicamentos registrados devem ser enquadrados.

O medicamento Mevatyl® está em processo de registro pela Anvisa. No entanto, ainda não foi aprovado pela Agência. Ou seja, até o momento não há nenhum produto disponível para venda no país à base de substâncias derivadas da planta Cannabis sativa L.

Mas atenção: o medicamento Mevatyl® não possui nenhuma relação com os produtos à base de canabidiol que vem sendo importados, excepcionalmente, por pessoas físicas. Para utilização de produtos à base de canabidiol clique aqui.

Fonte: Anvisa

Pin It on Pinterest