Como acontece a cada dois anos, nos deparamos em 2018 com um ano eleitoral. O movimento canábico e os grupos que o integram se preparam para debater com políticos e candidatos.
Alguns eleitores acham que a questão da maconha na política é secundária, não tem importância. O que importa é saúde, economia, e segurança. Mas existe alguma outra planta que se for descriminalizada vai melhorar a saúde das pessoas que a utilizam como medicamento; aumentar a arrecadação para os cofres públicos; diminuir a violência e resolver o problema do falido sistema prisional?
Não podemos ficar intimidados. Precisamos discutir as relações entre Estado e Sociedade. Não é papel do estado definir o que um indivíduo deve ou não fazer. Compete sim ao estado dar todo o suporte de saúde necessário ao cidadão brasileiro que opte por se tratar com as alternativas de cura que a canábis nos proporciona.
Candidatos de partidos que misturam religião e política ainda têm uma visão errônea e acreditam que a cultura canábica está ligada ao crime. Não enxergam que o que aumenta os crimes e as mortes é a Guerra às Drogas. Enquanto certos governantes fazem parte de um sistema corrupto que cobra propina e criminaliza os usuários. Desses precisamos manter distância. Evitar ao máximo esses políticos que fecham os olhos para as próprias leis porque são propagadores de “falsos crimes” que envelhecem no nosso código penal. São considerados crimes até os dias de hoje porque a lei ainda não foi atualizada.
Outros aspirantes a cargos eleitorais que estão abertos ao diálogo e percebem a importância da nossa causa merecem a nossa atenção.
Em meio a tantas drogas verdadeiras que são consumidas rotineiramente, a cannabis é uma planta injustiçada. Injustiçada porque a sociedade hipocritamente se cala perante seus benefícios.
Como indivíduos, muitas vezes apresentamos ideias diferentes uns dos outros. A democracia nos assegura esse direito à diferença. O diálogo é indispensável. Apenas regimes totalitários e ditaduras impõem normas sem dialogar com a população.
Não existem pessoas que entendam mais desse assunto, do que aquelas que já convivem com essa medicina natural há muitos anos. Os argumentos que mais deveriam ter peso na criação das novas leis são os das pessoas diretamente ligadas à questão da cannabis.
Não queremos apenas promessas em debates. O mínimo que pedimos, apenas para começar, é a regulamentação do cultivo. Qualquer coisa abaixo disso apenas aumenta a falácia da criminalização baseada em falsos argumentos.
Vamos ficar atentos aos candidatos que aprovarão a regulamentação da maconha e os direitos dos usuários; também aos candidatos que se manifestam contra, para não votar neles nem por engano. Alguns apoiam internação involuntária de usuários recreacionais. Leis como essa, se forem aprovadas, afetarão gravemente os direitos da comunidade psicoativa.
Devemos estar informados sobre todas as iniciativas e discussões. Estamos iniciando um novo ano de ativismo em nosso país, que busca resgatar conceitos que foram distorcidos, visando esclarecer que todos têm interesse e podem se beneficiar com a regulamentação da maconha em todos os setores da sociedade civil.
Um exemplo que temos de um grande líder a ser seguido é o do Presidente da República Oriental do Uruguai entre 2010 e 2015, José Alberto Mujica Cordano. Apresento abaixo trechos do histórico discurso que ele fez na Assembleia Geral da ONU em 2013. O verdadeiro aplicador do conceito de alta política, que fez a sua parte pela nossa causa e demonstrou que o que muda o mundo são as nossas ações e não apenas os nossos argumentos.
“De salto em salto, a política não pode mais se perpetuar, e, como tal, delegou o poder, e se entretém, aturdida, lutando pelo governo. Debochada marcha de historieta humana, comprando e vendendo tudo, e inovando para poder negociar de alguma forma o que é inegociável. Existe marketing para tudo. Para o cemitério, para o serviço funerário, para as maternidades, marketing para os pais, mães, avós, passando pelos carros e férias, tudo é negócio.
O homenzinho médio de nossas grandes cidades perambula entre os bancos e o tédio rotineiro dos escritórios, às vezes temperados com ar condicionado. Sempre sonha com as férias e com a liberdade, sempre sonha com pagar as contas, até que, um dia, o coração para, e adeus.
A crise é a impotência, a impotência da política, incapaz de entender que a humanidade não escapa, nem escapará do sentimento de nação. Sentimento que está quase incrustado em nosso código genético.
Cremos que o mundo requer a gritos regras globais que respeitem os avanços da ciência, que abunda. Mas não é a ciência que governa o mundo.
Seria imperioso alcançar uma consciência planetária para resgatar o poder da solidariedade aos mais oprimidos. Isso é mil vezes mais rentável do que fazer guerras.
Sim, a alta política entrelaçada com a sabedoria científica. Ali está a fonte. É um sacrifício inútil enfrentar a consequência e não enfrentar a causa. O que alguns chamam de crise ecológica do planeta é consequência do triunfo avassalador da ambição humana.
Entramos em outra época aceleradamente, mas com políticos, enfeites culturais, partidos e jovens, todos velhos.
Ouçam bem, queridos amigos: em cada minuto no mundo se gastam US$ 2 milhões em ações militares nesta terra. A investigação médica cobre apenas a quinta parte desse valor.
Até que o homem não saia dessa pré-história e arquive a guerra como recurso quando a política fracassa, essa é a larga marcha e o desafio que temos daqui por diante. E o dizemos com conhecimento de causa.
Isso é paradoxal. Mas, com talento, com trabalho coletivo, com ciência, o homem, passo a passo, é capaz de transformar o deserto em verde.
O homem pode levar a agricultura ao mar. O homem pode criar vegetais que vivam na água salgada. A força da humanidade se concentra no essencial. É incomensurável. Ali estão as mais portentosas fontes de energia. O que sabemos da fotossíntese? Quase nada. A energia no mundo sobra se trabalharmos para usá-la bem.
É possível criar estabilidade e será possível para as gerações vindouras, se conseguirem raciocinar como espécie e não só como indivíduos.
Mas, para que todos esses sonhos sejam possíveis, precisamos governar a nos mesmos, ou sucumbiremos. Não nos entretenhamos apenas remendando consequências.
Pensem que a vida humana é um milagre. Que estamos vivos por um milagre e nada vale mais que a vida. E que nosso dever biológico, acima de todas as coisas, é respeitar a vida e impulsioná-la, cuidá-la, procriá-la e entender que a espécie é nossa.”
O primeiro ponto que nos chama a atenção do discurso de Mujica é que os políticos não conseguem se manter onde estão sem o povo. Se querem chegar em algum lugar, em algum momento vão precisar do nosso voto. Sem esse elemento fundamental nada pode ser feito.
Embora as pessoas estejam concentradas em sua maioria nas ações da vida cotidiana, no íntimo de seu ser, todos aspiram à liberdade. Essa libertação que está para ser conquistada com a descriminalização e a legalização da maconha no Brasil é algo que o espírito de coletividade pede desde que a Guerra às Drogas foi implantada.
Somos todos irmãos. E só vamos mudar esse cenário se permanecermos unidos. Buscamos perpetuar a fraternidade universal como resposta ao ódio e à opressão.
Estamos cercados pelas bancadas religiosas, que a cada dia distorcem o estado laico. A ciência nos mostra os fatos através de suas pesquisas, mas cada vez mais essas bancadas passam por cima do que é funcional e medicinal.
Uma hora ou outra vamos abrir os olhos e parar para pensar no lucro que está sendo desperdiçado para dar lugar a uma guerra que vai contra os próprios cidadãos brasileiros.
Vamos resgatar a alta política de Mujica. Voltar os olhos para a natureza que pede socorro. Construir um futuro sustentável aplicando técnicas de agroecologia. Renovar o cenário político. Voltar os olhos para as questões que pedem atenção, para solucionar um problema inventado e empurrado goela abaixo.
A administração dos governos tem a necessidade de levar em consideração o conhecimento científico e nunca se esquecer de aplicar a ética. O respeito que Mujica nos desperta pela vida deveria ser levado em consideração para todas as questões em discussão no Congresso Nacional. Olhar para o coletivo e não para o próprio umbigo.
O potencial de mercado que a cannabis apresenta para a nossa agricultura, que é o setor que leva o Brasil nas costas, não pode ser ignorado. Somos um país com condições excelentes para nos tornarmos grandes exportadores da planta. Sua fibra pode ser utilizada na fabricação de tecidos, carrocerias de automóveis, tijolos ecológicos com altas taxas de absorção de CO2; e com as suas sementes ainda é possível produzir biodiesel.
Apenas a informação profissional, investigativa e isenta de juízo de valor pode apresentar uma visão mais honesta sobre a cannabis no Brasil; Muito cuidado com falsos discursos envolvendo a maconha; pois existem bancadas propagando discursos de ódio contra nossa planta.
Não podemos nos calar. Agora é a hora de incentivar festivais informativos, feiras comerciais e manifestações a favor da legalização e da descriminalização, paralelamente ao esforço em conjunto de todos os ativistas brasileiros. Usuário, saia do armário!
Por Rodrigo Filho ∴
Escritor e Ativista
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